Contrapropostas comerciais – quando as operações internacionais complicam-se

Escrevi recentemente sobre os elementos da lei e da prática do comércio internacional que, em conjunto, dão origem a uma operação comercial vinculante. Em perspectiva, tratei dos elementos de uma oferta válida e os de uma aceitação válida de acordo com a CISG (a Convenção das Nações Unidas sobre a Venda Internacional de Mercadorias, a nossa referência jurídica sobre o assunto). Ver artigos anteriores.

Em resumo, a oferta deve ser específica em relação ao destinatário e aos bens a que se referir. Não exige atenção imediata à quantidade e ao preço, mas uma referência para a sua determinação. A aceitação válida ocorre com o consentimento dos termos da oferta, dentro do seu prazo.

Mas e se o destinatário não concordar na íntegra com o conteúdo da oferta recebida? O que fazer em termos práticos, quais as consequências a retirar de tal resposta e, para além disso, que pistas sobre as regras do comércio internacional que se aplicam ao caso?

Com base nos termos válidos da CISG, a sugestão do destinatário de alterar ou desviar-se do que foi proposto, relativamente a: preços, condições de pagamento, qualidade, quantidade, local/tempo de entrega, responsabilidade ou resolução de litígios, será considerada uma contraproposta e, consequentemente, causará a rejeição formal da oferta anterior, mesmo que o faça involuntariamente.

Excepcionalmente, a resposta do destinatário sobre condições que se podem mudar ou se desviar ou acrescentar à oferta anterior sem, no entanto, tocar nos elementos materiais acima referidos, (a) é considerada como aceitação da oferta, se o oferente não se opuser a elas em tempo útil (veja-se aqui um padrão mais leve), e (b) as condições da oferta anterior serão consideradas complementadas pelas novas condições do destinatário, formando o contrato.

Minha conclusão: por vezes, uma resposta negligente à oferta provoca resultados inesperados. A resposta a uma oferta deve ser intencionalmente elaborada para os evitar. O destinatário deve analisar cada um dos pontos da oferta e verificar a sua disposição para os aceitar tal como são propostos, ou correr o risco de os repropor (a) com base em motivos aptos a acrescentar ou alterar pontos não materiais da oferta, causando a sua aceitação integral mas incluindo também as novas condições, ou (b) com base em motivos aptos a acrescentar ou alterar pontos materiais da oferta, causando a sua rejeição e substituição pela contraproposta do destinatário, com todas as consequências que desta possam advir.

Existe o momento certo para um documento vinculante?

Muitas vezes, os clientes perguntam-me se a transação que estão prestes a concluir é, “de alguma forma”, vinculativa.

Pode haver “tons de cinza” na conclusão de uma transação comercial. Na minha experiência, representei aqueles que queriam que a operação fosse vinculativa e aqueles que faziam tudo para protelar a sua decisão. Os que queriam fechar rapidamente e os que queriam dar mais um passo razoável sem consequências negativas.

A certeza continua a ser fundamental para quem trabalha no comércio internacional e na complexa indústria de transformação – trata-se de operações que exigem um elevado grau de previsibilidade por parte de compradores e vendedores para prosperarem e darem frutos a longo prazo. Daí a legitimidade da pergunta.

A certeza, porém, é cada vez menos um atributo do nosso sistema de vida e de trabalho. Os sinais do mercado, graças a abruptas mudanças sociais, ambientais e económicas, tornam-se menos relevantes para indicar se o tempo está ou não maduro para um ponto de não retorno. Tempos peculiares de informação abundante mas de elementos menos consistentes para avaliar o risco-recompensa e o custo-benefício. Gerimos a incerteza, de fato, mais do que nunca.

Os empresários precisam de aconselhamento, discernimento e ferramentas para tomar decisões empresariais críticas. A tomada de decisões vinculantes no momento errado, mais cedo do que o necessário, tem um custo oculto. Faz sentido dividir o projeto em partes, pagar de acordo com as etapas e os resultados, agir com rigor em relação às expectativas. Assinar documentos com termos ou acordos não-vinculativos, quando ainda não foram atingidos determinados objetivos-chave.

Esticar o acordo sem o tornar definitivo e vinculante é uma abordagem igualmente legítima em muitos casos de negócios. Os advogados e os empresários devem estar preparados para trabalhar num ambiente cada vez mais ambíguo, mantendo as decisões comerciais sob um controle e uma responsabilidade razoáveis. É necessária perspicácia e ética para levar a cabo esta ação de forma correta.

Devo dizer que não é necessária grande complexidade jurídica para tornar uma transação juridicamente vinculativa. O que é desafiante e sutil, mas muito gratificante, é manter uma transação viva e funcional com o mínimo de efeitos negativos em caso de rescisão, em troca de ganhar tempo e recursos para uma escolha informada e sensata.

Escusado dizer que tenho grande satisfação em conduzir os gestores ao melhor momento possível para uma decisão crítica, pelo menor custo possível da alternativa de “não se fazer nada”. O momento que um empresário acredita ser o correto para assumir o compromisso vinculante. O momento em que se está perto da crista da onda e se decide levantar e surfá-la, ou simplesmente esperar pela próxima onda.

Conheça bem seu distribuidor

Em minha experiência de aconselhamento jurídico a empresários, poucas decisões se revelam tão lamentáveis como a descoberta de que escolheram o parceiro errado no estrangeiro.

Neste caso, uma má escolha prejudica significativamente a empresa, uma vez que se torna muito difícil e dispendioso resolvê-la.

Ao contrário dos conflitos operacionais ou comerciais entre as partes, que podem surgir muito tempo depois do início de uma relação, os empresários podem antecipar potenciais problemas jurídicos e financeiros com distribuidores antes da assinatura dos contratos.

Podemos utilizar a boa prática de uma mini-auditoria, que permite identificar – numa fase inicial do processo – sinais importantes de uma boa ou má gestão de tesouraria, investimento e conformidade legal por parte do distribuidor.

A vantagem de ter também um acordo de confidencialidade assinado antes de uma auditoria é dupla. Fornece ao candidato dados comerciais essenciais para uma decisão informada (vendas futuras, investimento em marketing, ativos necessários – minimizando assim o risco e a responsabilidade do empresário) e permite que o empresário tenha acesso às principais informações de conformidade do candidato. A documentação pode incluir balanços recentes, declarações de impostos, documentação empresarial e jurídica, certificações de qualidade, para citar alguns exemplos.

A prática de uma auditoria ao potencial distribuidor como parte do processo de seleção do empresário irá, sem dúvida, elevar os padrões. Tenha cuidado com um potencial distribuidor que não esteja disposto a participar neste exercício e que evita apresentar-se como um parceiro sólido para o crescimento da sua empresa.

Como comentário à margem, continuo surpreendido por saber que poucas empresas a caminho do estrangeiro adotam a prática de auditar os seus potenciais candidatos à distribuição. De acordo com a minha experiência, esta estratégia é altamente recomendada e, nalguns casos, até exigida. Os benefícios desta prática superam de longe o seu limitado custo.

(créditos da imagem: Vidal Mayor, Fueros de Aragón, de Vidal de Canellas, 1252).

Momento-chave: resolução do contrato em caso de descumprimento

Em minha atividade jurídica deparei-me com clientes em situações pendentes, procurando ajuda e aconselhamento antes de decidirem o caminho a seguir. Particularmente necessário quando confrontados com parceiros contratuais em situação de descumprimento de uma obrigação contratual relevante.

Em muitas jurisdições de Direito Continental (baseadas na lei codificada, incluindo Brasil e Portugal), a violação de uma obrigação por uma parte pode ser causa de rescisão (em linguagem técnica, resolução) do contrato por livre vontade da parte inocente. Este direito é normalmente confirmado nos textos dos códigos civis, cuja redação pode variar mas, em muitos casos, prevê solução semelhante de rápida e direta aplicação.

Considerando o efeito prejudicial do evento de descumprimento, a parte inocente pode certamente considerar o cumprimento tardio da obrigação como inútil e pode preferir terminar com o acordo, com todas as consequências que esta decisão possa acarretar, entre as quais a de evitar que a parte em falta remedeie a situação. Raramente se pode “voltar atrás no tempo” após uma decisão de rescisão de um contrato. Daí a seriedade do momento.  

Esta decisão é de menor risco se, cumulativamente, o descumprimento for de natureza material (relevante) para o contrato, se as partes tiverem acordado contratualmente que o tal evento será um caso de rescisão, e se houver provas claras do descumprimento. À luz destes elementos, normalmente não é necessária notificação como medida preliminar para resolução efetiva do contrato.

Além disso, os tribunais superiores já decidiram – em favor da parte inocente – que o direito de uma parte de resolver o contrato quando confrontada com descumprimento material já previsto no seu texto não depende de decisão judicial que o ateste. Muitas instâncias confirmam o direito da parte inocente de rescindir o contrato e de o executar diretamente por danos e penalidades.

Esta posição é particularmente importante se o contrato em default disser respeito a falta de pagamento em vendas de bens, tais como bens imóveis: ao contrário de interpretações do passado pouco claras, o bem pode ser sujeito a direta e imediata reintegração de posse se o caso de descumprimento tiver sido expressamente previsto no contrato enquanto tal e se enquadrar nas condições de relevância e existência factual.

O fato de um evento de inadimplemento não estar corretamente previsto no contrato, ou não estar de todo previsto no mesmo, pode levar a problemas futuros e a questionamentos legais nos tribunais, com consequências e resultados indesejados.

No curso normal dos negócios, é natural que as partes prestes a entrar numa relação não dediquem tempo ou energia para negociar causas de rescisão, listas de eventos de descumprimento ou suas consequências. Advogados, contudo, estão prontos a assumir esta tarefa com argumentos técnicos e abordagem eficaz e podem, contratual e antecipadamente, prever saídas práticas para seu cliente caso passe por experiências amargas em relações comerciais no futuro.

Crédito da imagem: Vidal de Canellas e Chancelaria Real do Rei de Aragão, Jaime I. In Vidal Mayor (1247).