Reflexões sobre “start-ups” (I): efeitos da escolha do tipo societário

A palavra já vulgarizada “start-up” veio para ficar. A economia digital a fez avançar e agora está fortemente associada a negócios inovadores.

Por mais interessante que seja, fato é que “start-up” não é uma definição prática para uma gestão eficaz dos negócios da vida real. O termo diz muito pouco sobre o caráter jurídico de uma empresa, para além de legislação recente, porém confusa, a procurar minimamente defini-la para permitir facilidades fiscais ou menos burocracia, mas com efeitos positivos limitados.

De fato, uma empresa não existe em abstração. Não pode prescindir de uma estrutura formalizada, aceite publicamente, e identificável diante de entidades públicas e privadas.

Na essência, uma “start-up” deve apresentar-se como uma empresa sujeita a normas legais mínimas exigidas por uma jurisdição estatal, como qualquer outra empresa. Tem de aderir a um quadro legal para existir e funcionar.

Uma empresa é o resultado de numerosas e interligadas relações jurídicas formais, identificadas como relevantes e obrigatórias por uma dada jurisdição.

Estas relações jurídicas são, em termos práticos, formalizadas em declarações, assinaturas e pela devida aceitação das regras e procedimentos emitidos pelas autoridades competentes.

No seu conjunto, estas formalidades, uma vez cumpridas, conferem um estatuto diferenciado a esta entidade – o estatuto de pessoa – uma entidade aceite por lei como sujeito de relações jurídicas, capaz de participar em obrigações legais.

Nesta perspectiva, a escolha da estrutura jurídica mais apropriada a um negócio é um dos mais importantes passos iniciais de qualquer potencial novo empreendimento. Os acionistas devem compreender claramente as consequências e efeitos de tal escolha para futuras decisões.  

Em minha experiência na área, uma decisão mal informada ou errada sobre a estrutura legal escolhida pode impedir o crescimento do empreendimento como planeado, ou pode mesmo arruinar a iniciativa – independentemente de qualquer potencial sucesso comercial.

O Direito Comercial apresenta diferentes tipos de estruturas empresariais, procurando cumprir diferentes propósitos e expectativas.

Para além de certas escolhas inovadoras e fora do caminho já batido, existe um consenso razoável a favor de uma estrutura-modelo antiga, porém eficaz, que é a da sociedade de responsabilidade limitada.

Foi concebida como a solução jurídica mais pragmática para as pessoas empreenderem e correrem riscos em conjunto. Continua a ser o melhor veículo para o empreendedorismo pessoal e empresarial de pequena escala.

Implica eficaz flexibilidade comercial e regras de procedimento relativamente simples, oferecendo aos acionistas um quadro claro para as suas relações e para as operações da empresa.

Esta estrutura jurídica é uma norma com princípios, regras e procedimentos semelhantes em muitas jurisdições.

Continua a ser a estrutura preferida pelas pequenas e médias empresas, uma vez que a maioria de suas regras já estão estabelecidas previamente em códigos de direito comercial ou civil em abordagem “default” para muitos eventos e ocorrências da vida da empresa.

Esta abordagem legislativa pode ser interpretada como uma proteção para os próprios acionistas, bem como para terceiros que façam negócios com a empresa. Pode ser visto quase como um pacote jurídico para os sócios simplesmente o cumprirem e para começarem a operá-la.

A sociedade de responsabilidade limitada assume, contudo, um estatuto bastante pessoal. Isto significa que o seu quadro legal dá prioridade e relevância às relações de proximidade entre os acionistas.

Pressupõe o elemento de ligação pessoal entre os seus acionistas como a causa decisiva para a sua incorporação e existência – o seu caráter intuitu personae, em contraste com uma maior proteção ou preferência por novos investimentos de capital ou um claro desprendimento entre a gestão e a propriedade do investimento.

Devido a esse caráter pessoal preponderante, pode haver limitações relativas ao funcionamento das sociedades de responsabilidade limitada, em regras pré-existentes e legisladas.

Estas regras podem obviamente colidir com a expectativa dos acionistas de captar capital adicional para crescimento ou de poder entrar e sair da empresa mais facilmente.

Podemos tirar importantes consequências desta característica, que não são de solução simples ou imediata. Refiro-me, por exemplo, à oportunidade de um acionista vender uma parte das suas ações a um terceiro, ou pior, a sua totalidade. Ou o caso de sucessão de um acionista falecido por membros de sua família.

Outros exemplos de situações críticas podem ser a potencial entrada via aumento de capital de um novo acionista, ou negociações para a conversão de um empréstimo de um credor da empresa em ações da mesma.

Os advogados devem abordar esses potenciais conflitos em termos específicos. Devem providenciar formas de os atuais acionistas contornarem indesejados efeitos de normas legisladas. Esta abordagem jurídica é frequentemente possível uma vez que os advogados identifiquem as regras “default” aplicáveis e acordem previamente com os acionistas a conveniência de as substituir por regras mais adequadas, sempre que o direito privado permita essa substituição.

Utilizando uma abordagem à medida, a maioria das regras “default” de caráter substituível pode ser posta de lado e novas regras específicas reescritas para a empresa em questão. Estas novas regras devem ser incorporadas nos estatutos e acordos de acionistas da empresa.

Em termos simples, a sociedade de responsabilidade limitada é susceptível de ser considerada um “empreendimento de pessoas”, em vez de um “empreendimento de capital”, e por conta disto as adaptações técnicas legais em fase inicial de constituição tornam-se necessárias para que a empresa esteja plenamente preparada para seu crescimento.